Eu vi uma mulher, aparência de uns 60 anos, talvez tenha 40, entretanto, uma mulher que teve a ajuda do sofrimento e da luta constante para parecer mais velha. Usava um boné preto desbotado, calça jeans rasgada, camiseta de propaganda de político, não senti o cheiro, passei caminhando e não parei. Ela estava revirando uns sacos pretos de lixo entre dois pontos comerciais. Uma concessionária de carros e um outro ponto comercial. Procura papelão, latas de alumínio, garrafas plásticas e por que não algo de comer que estivesse em bom estado. Você fez a imagem dessa mulher sua cabeça? Imagine o seu semblante carregado. Sua postura de mulher sofrida. Sua revolta contra a vida que não lhe deu oportunidade de nascer numa família rica. Imaginou?
Agora jogue isso tudo fora!
Ela cantava. Revirava o lixo e cantava. Não chorava nem resmungava. Ela canta. Ela pega o papelão cantando. Ela joga o lixo na sua carrocinha cantando. Ela sai carregando a carrocinha cantando. Não importa se lhe faltam dentes, ela canta. Não importa se não tem afinação, se não sabe a letra direito, ela canta.
Talvez a dona do lixo, com seu carro importado estivesse atrás do computador vendo as contas do mês e apavorada porque não sobraria aquele dinheiro que pensava para trocar de carro pela segunda vez no ano. Talvez a dona do lixo chore com depressão porque já tenha tudo e nada faz sentido.
A mulher do lixo canta.
E você?